Eu já sei!

Essa é a pior frase que podemos enfrentar com uma criança.

Não digo isso, claro, quando estamos falando de algum assunto que ela já domine e esteja apenas expressando a inutilidade de tentarmos ensinar o que já saiba.

Refiro-me à resistência que, por vezes, aparece nas crianças em assumir que não se sabe algo. 

Em pegar um brinquedo qualquer e tentar montá-lo sozinha a despeito de complicados manuais de instrução feitos para adultos – mas sem admitir que um adulto possa capitanear o processo justamente por já ter mais instrumentos, por assim dizer, para saber mais.

Ou em forçar grafias erradas de palavras durante o processo de alfabetização pela pura resistência de se assumir que não se sabe e deixar um adulto ensinar.

Ou mesmo em aprender a forma certa de falar as horas.

Há, nas crianças, essa resistência em assumir-se “não-onisciente”, em expor uma falta essencial para o próprio processo de amadurecimento. Eu diria até que o mais difícil no processo de educação não é ensinar fórmulas ou definições, mas sim ensinar que não se sabe tudo e que, se não se entende e se aceita isso, também não se aprende nada.

Sim, crianças são curiosas por definição – mas a melhor forma de se explorar essa curiosidade, ao menos em minha opinião, é incentivando que ela seja exposta como pergunta, como dúvida ou mesmo como brincadeira. Senão, como conduzir o amadurecimento dos nossos filhos?

Uma boa ferramenta para isso? Livros, claro.

Livros, afinal, contém histórias cujos enredos só são desvendados “na próxima página”. Livros exigem paciência da criança, exigem aceitação do mistério, exigem que a descoberta parta, invariavelmente, da boca de quem estiver lendo.

Não que baste uma história para solucionar tudo – educação, afinal, se faz por impregnação. Mas, com uma depois da outra, desconhecido depois de desconhecido, mistério depois de mistério… aí o cenário inteiro começa a se metamorfosear. É o hábito, afinal, que muda as mentes.

É fazer o conhecimento do desconhecimento ser natural, comum, cotidiano. 

Um dia depois do outro.

Até que o “eu já sei” vire “eu quero saber”.

Sobre livros e o ensinamento do Tempo

Para nós, adultos, o Tempo é relativamente simples de entender: temos o nosso passado, dosamos cada uma das decisões que tomamos no dia-a-dia, projetamos com base nelas o nosso futuro. Há, senão uma certeza de que tudo dará certo, pelo menos uma expectativa de previsibilidade. Poucas coisas são mais reconfortantes que isso.

Não para uma criança: para ela, o Tempo é uma caixa preta.

Ela tem, claro, o seu curto passado: tem os dias de ontem, tem as festas que participou, as broncas que tomou e que impregnaram em seu instinto a diferença entre certo e errado. Ela tem também o seu presente – mas a impulsividade com que costuma decidir e reagir, motivada pela pura falta de entendimento sobre consequências de longo prazo, faz com que cada minuto seguinte seja uma possível surpresa. E o futuro? Uma criança de 3, 4, 5, 6 anos tem algum tipo de projeção sobre a sua vida quando tiver 30 ou 40? Não. Ela tem as suas fantasias, o poder lúdico de imaginar o que poderá ser – bailarina, superherói, motorista de ônibus ou médico… mas a própria facilidade com que os sonhos mudam comprova o quão aberto é o futuro.

Isso não está errado – claro. A coisa mais difícil de se entender no mundo é justamente a noção de Tempo: o conhecimento do passado, os efeitos do presente, os impactos disso nas possibilidades do futuro.

Mas, ao mesmo tempo, é também o entendimento mais valioso que uma criança pode ter. Por que? Porque nossa vida é regrada, precisamente, pelo Tempo. Quanto mais cedo o entendermos, mais cedo começaremos a construir as nossas felicidades dosando impulsividade e previsibilidade, intempestividade e controle. Quanto mais cedo entendermos o Tempo, mais cedo conceberemos a fórmula perfeita para transformá-lo em felicidade de acordo com as nossas estruturas de vida.

E esse é, provavelmente, o maior dos benefícios de um livro. Livros, claro, são compostos de enredo – e enredos são pura cronologia. Enredos partem de um cenário inicial, desembocam nas decisões tomadas pelo protagonista, apresentam as consequências dessa decisão. Livros ensinam muito mais do que meia dúzia de lições de moral para crianças: livros ensinam o Tempo.

E ensinam utilizando a linguagem lúdica de uma criança, brincando com sua imaginação, atiçando suas noções de mundo e provocando deduções impossíveis de se ter em outros meios.

Livros são, possivelmente, a maior das invenções do homem para capturar para si a felicidade.

Utilizemo-nos com os nossos filhos.

Infinity time. Digital generated

Sobre comida e capacidade de aprendizado

Sempre posto aqui sobre a relação entre histórias e o próprio desenvolvimento infantil. Uma coisa está intimamente ligada à outra, claro – são as histórias que despertam sinapses novas e ensinam deduções, fatos do mundo, relações entre causas e consequência.

Mas é óbvio que há mais que isso – muito mais. Um dos fatores mais fundamentais é a alimentação – e a relevância é impressionante. Confira nesse vídeo abaixo:

https://embed.ted.com/talks/lang/pt-br/sam_kass_want_to_teach_kids_well_feed_them_well

Histórias e vocabulário

Logo que comecei a contar histórias para a minha filha, minha maior preocupação era que ela não se perdesse em vocábulos que ela desconhecia. Minha solução? Traduzi-losdiretamente do papel, trocando algumas palavras dos textos por outras que sabia que ela conhecia.

Até que me toquei do quanto essa ideia era péssima.

O raciocínio é simples, mas tão simples, que chega a ser constrangedor. Além dos enredos em si, um dos grandes papéis de histórias – infantis ou não – é ampliar o nosso vocabulário. Com um acervo maior de palavras aprendidas em contextos claros, podemos formular melhor os nossos próprios pensamentos e criar linhas de racionalização muito mais sofisticadas.

Por outro lado, se fugirmos das novas palavras unicamente por elas serem novas, ficaremos sempre presos ao desenvolvimento de pensamentos mais tacanhos, pouco evoluídos, simplórios.

Se isso serve para um adulto de 40 anos, por que não serviria para uma criança de 5 ou 6, justamente na fase perfeita para sugar conhecimento?

Mudei de estratégia, claro. Hoje, ao invés de traduzir palavras, substituindo o novo pelo conhecido, eu as mantenho e, sempre que percebo uma interrogação no olhar da minha filha, páro e as defino melhor.

Não quero exagerar na “corujisse”, mas o fato é que bastaram algumas semanas para que ela desse um salto de inteligência, formulando pensamentos tão sofisticados que até nós, pais, desenvolvemos um hábito de ficar chocados no cotidiano.

É impressionante o quanto nossos filhos nos ensinam quando tentamos ensiná-los.