Histórias nem sempre precisam de palavras

Uma bela manhã, minha filhinha mais nova, Alice, de seis meses, chorava incessantemente.

Não era fralda suja, não era fome, não era nada de trivial. Era apenas alguma agonia daquelas misteriosas, que apenas os bebês conhecem.

Até pouco tempo, só uma pessoa resolvia isso: Eric Clapton, que conectava-se com ela de uma maneira quase cósmica ao som do violão. Dessa vez, nem ele.

Fiz a única coisa que sabia: comecei a contar para ela uma historinha qualquer, fabricada ali, na hora, e carregada de tons e caras e caretas e sorrisos.

Sim: sei que ela certamente não entendeu uma única palavra do meu enredo louco… mas funcionou.

De repente, as lágrimas sumiram como apenas lágrimas de bebês somem e, instantaneamente, seus olhos gigantes passaram a esboçar um sorriso curioso, interessado, quase que antecipando cada volta que a trama dava.

E, depois, ela simplesmente suspirou e foi dormir.

Histórias para crianças, concluí, funcionam até mesmo quando elas não entendem o que dizemos. Até porque as narrativas estão mais impregnadas nos gestos do que nas palavras.

Papai Noel existe mesmo?

Recentemente, minha filha mais velha, de seis anos, começou a questionar algumas das fantasias que costumamos incentivar nas crianças.

A primeira não foi nem um questionamento propriamente dito: foi uma afirmação. “Eu sei que Papai Noel não existe, que são vocês que compram os presentes.”

Confesso que não soube o que fazer. Como na maior parte dos estirões súbitos de amadurecimento, este me pegou de surpresa. O certo seria falar a verdade? Ou continuar empurrando a fantasia? Mas, ao fazer isso, não estaria eu ativa e conscientemente mentindo para a minha filha – algo que jurei jamais fazer?

Bom… não sei se fiz certo, mas não respondi nem de uma forma e nem de outra: apenas incentivei os seus questionamentos.

Eventualmente, não tenho dúvidas, terei que dar uma resposta mais direta, mais prática… mas deixo isso para quando ouvir uma pergunta igualmente direta e não uma sondagem disfarçada de afirmação.

E o que fazer enquanto isso? Talvez – e falo isso sem nenhuma certeza de ser o certo – apenas incentivar mais questionamentos sobre tudo, em parte usando histórias mais maduras, mais densas que as que costumamos usar com crianças pequenas.

Papai Noel… quando poderia eu imaginar que o bom velhinho fosse me pregar um susto tão grande??

A leitura e o vínculo entre pais e filhos

Semana passada li um artigo sensacional do Itaú publicado no Globo (veja aqui). Sua tese: ler para uma criança fortalece o vínculo entre pais e filhos. 

Conclusão óbvia, se pararmos para pensar – mas obviedades nem sempre costumam ser enxergadas com a clareza que precisam ou merecem. Quando lemos para uma criança deixamos, ainda que por instantes, de ser um pai ou uma mãe: nos transformamos em um narrador, em um guia que as levará por um mundo novo, mais fantasioso, em que tudo pode acontecer. 

É claro que esse papel de guia é uma metáfora para o papel que desempenhamos em nosso cotidiano: educar é, afinal, ajudar os filhos a caminhar por conta própria pelo caminho que eles escolherem. Mas é justamente por ser uma metáfora que o hábito de ler para os filhos funciona tão maravilhosamente bem. Afinal, qual a melhor maneira de fortalecer a confiança com um pequeno do que efetivamente sendo a voz que desenhará para ele mundos totalmente novos? 

Recomendo a leitura desse artigo na íntegra (clicando aqui ou na imagem abaixo). E recomendo também, claro, que você chegue em casa hoje e leia uma história nova para ele. Eu, pelo menos, farei isso com a minha 🙂 

Como ensinar os motivos de feriados a crianças

Daqui a pouco é 15 de novembro, data importantíssima para o calendário brasileiro. Nesse mesmo dia, em 1889, o Brasil deixou de ser império e passou a ser república.

Houve um golpe militar, um exílio, o fim de uma era e o começo de outra. Como em qualquer mudança drástica, esta foi recheada de heróis e anti-heróis, de aventuras, de fracassos e de vitórias.

Pois é: eis a resposta para a pergunta-título deste post. O 15 de novembro até pode ser uma das datas mais importantes do nosso calendário – mas quase todas as outras tem elementos parecidos, histórias riquíssimas por trás dos feriados em que se transformaram.

Como ensinar os motivos de feriados a crianças? Transformando-os em histórias aventurescas compatíveis com suas idades. Dá, facilmente, para inventar um herói ou heroína qualquer que acompanhava o Marechal Deodoro naquele fatídico dia, na atual Praça da República da então capital do Império, o Rio.

Dá para fazer este herói ou heroína contar um pouco de como era a vida no Império e de como seria importante que todos pudessem participar mais das decisões do país. Dá para envolver a criança na história, para fabricar pequenos fatos e personagens que a guiarão pelos grandes acontecimentos.

O resultado disso? Não se trata apenas de fazer a criança entender o que aconteceu em uma data específica: trata-se de fazê-la se encantar pela História enquanto disciplina, algo essencial para a sua própria evolução como pessoa.

Está em casa pensando em como aproveitar esta terça? Então fabrique você mesmo uma história nova e leve seu filho até aqueles distantes tempos em que todo o mundo mudou.

E não esqueça de dar o seu toque na narrativa usando alguma licença poética para apimentar os fatos (sem alterá-los, claro): afinal, convenhamos, dificilmente uma criança se encantará pela imagem real deste senhor aqui embaixo:

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Folclore brasileiro

Em tempos de Halloween, Ação de Graças ou mesmo Natal, é de se esperar que crianças fiquem encantadas por essas personagens e lendas criadas lá em outros cantos do mundo.

Não que me incomode com isso: boas histórias, a meu ver, independem de fronteiras ou idiomas de origem. Nunca comprei muito esses movimentos que tentam abolir comemorações de datas gringas “a favor” das brasileiras (como trocar o Halloween pelo Dia do Saci), como se nossa cultura precisasse de uma espécie de “política de cotas” para se tornar interessante.

Por outro lado, sempre achei as histórias do nosso folclore riquíssimas, belíssimas e perfeitas para crianças. Como fazer para atrair o interesse delas, então?

Descobri em casa: esperando o próprio interesse aflorar naturalmente.

Dia desses, minha filha mais velha começou a me pedir livros e mais livros sobre o Curupira, o Saci, o boto e tantos mais personagens brasileiros que permeiam histórias incríveis.

Para ela, o fato de serem ou não brasileiros importa pouquíssimo – o que conta, afinal, é o conto!

A partir daí, foi só contar e extrair olhares empolgados, curiosos, entusiasmados.

Que esse hábito perdure!

Eu já sei!

Essa é a pior frase que podemos enfrentar com uma criança.

Não digo isso, claro, quando estamos falando de algum assunto que ela já domine e esteja apenas expressando a inutilidade de tentarmos ensinar o que já saiba.

Refiro-me à resistência que, por vezes, aparece nas crianças em assumir que não se sabe algo. 

Em pegar um brinquedo qualquer e tentar montá-lo sozinha a despeito de complicados manuais de instrução feitos para adultos – mas sem admitir que um adulto possa capitanear o processo justamente por já ter mais instrumentos, por assim dizer, para saber mais.

Ou em forçar grafias erradas de palavras durante o processo de alfabetização pela pura resistência de se assumir que não se sabe e deixar um adulto ensinar.

Ou mesmo em aprender a forma certa de falar as horas.

Há, nas crianças, essa resistência em assumir-se “não-onisciente”, em expor uma falta essencial para o próprio processo de amadurecimento. Eu diria até que o mais difícil no processo de educação não é ensinar fórmulas ou definições, mas sim ensinar que não se sabe tudo e que, se não se entende e se aceita isso, também não se aprende nada.

Sim, crianças são curiosas por definição – mas a melhor forma de se explorar essa curiosidade, ao menos em minha opinião, é incentivando que ela seja exposta como pergunta, como dúvida ou mesmo como brincadeira. Senão, como conduzir o amadurecimento dos nossos filhos?

Uma boa ferramenta para isso? Livros, claro.

Livros, afinal, contém histórias cujos enredos só são desvendados “na próxima página”. Livros exigem paciência da criança, exigem aceitação do mistério, exigem que a descoberta parta, invariavelmente, da boca de quem estiver lendo.

Não que baste uma história para solucionar tudo – educação, afinal, se faz por impregnação. Mas, com uma depois da outra, desconhecido depois de desconhecido, mistério depois de mistério… aí o cenário inteiro começa a se metamorfosear. É o hábito, afinal, que muda as mentes.

É fazer o conhecimento do desconhecimento ser natural, comum, cotidiano. 

Um dia depois do outro.

Até que o “eu já sei” vire “eu quero saber”.

Lendo o Pequeno Príncipe

Para uma criança, o Pequeno Principe tem a densidade de um Tólstoi: há solidão, descobertas, perdas, destinos e mortes. Corrijo-me: nem Tólstoi consegue ser tão pesado quanto Saint-Exupéry.

E confesso que havia me esquecido da história do pequeno príncipe até lê-la para a minha filha mais velha, de seis anos. Foi apenas naqueles momentos, em que acompanhei as mudanças em seu semblante e os seus veementes protestos quanto à maldita cobra que o mata no final, que me dei conta da tragédia que estava se desenrolando naquelas páginas. 

Quando terminei, Isa estava triste e enraivada, deixando claro o quanto havia detestado aquela história tão carente de finais cor-de-rosa.

Mas sabe de uma coisa? Foi, até hoje, a história que mais a fez mergulhar em seus próprios pensamentos sobre… digamos… a vida. 

Como sei disso? Porque uma sucessão interminável de desenhos começou a ser feita por ela já no dia seguinte. Tudo, desde o encontro com o aviador até a rosa protegida pela redoma no pequeno planeta do príncipe, havia se transformado em pintura. E, entre cada desenho, algum silêncio importante saía de seu olhar enquanto ela percebia o resultado de sua imaginação. 

Ela havia decorado cada uma das partes, por incrível que pareça, e agora estava ali, tentando alinhá-las e materializá-las.

Estava interpretando a história, concluí. 

E concluí também que, enquanto há histórias que servem principalmente para se passar o tempo, há outras com o poder de nos catapultar para dentro de nós mesmos e nos fazer pensar a fundo sobre a vida, encarando de frente e resolvendo nossos maiores temores. 

E não são essas as melhores histórias de todas? As que fazem pensar, raciocinar, sinapsar? 

Para crianças, histórias são degraus importantíssimos no processo de amadurecimento. E, por mais que degraus sejam sempre degraus, apenas parte de uma escadaria infinitamente maior, há aqueles que realmente significam mais.

E como separar jôio de trigo? Essa é a parte fácil: basta aprender a ler os nossos próprios filhos para entender os impactos de cada enredo sobre suas formas de entender o mundo.

Ou melhor: basta aprender a lê-los para, em seguida, entregar a eles as ferramentas que tanto precisam para amadurecerem-se a si mesmos.

Ciúmes e histórias

Quando Alice, minha filha mais nova, nasceu, os ciúmes da Isa, a mais velha, foram inevitáveis.

Não que tivessem sido ciúmes pesados, recheados de malcriações e birras – o estilo dela é outro. Foram ciúmes muito mais recheados de silêncio, de olhares discretamente preocupados sempre que as atenções de todos estavam voltados para a irmã, de mudança de hábitos e comportamentos para emular a forma com que nós, adultos, lidamos com um bebê.

Para um pai, não foi exatamente fácil testemunhar um silêncio tão audível, tão palpável. Nunca é fácil ver uma filha sofrer, mesmo que por fatos tão humanamente comuns quanto o nascimento de uma irmã. Mas sabia que não adiantava muito afogar o silêncio com palavras quaisquer: às vezes, é preciso deixar o tempo ensinar a digerir as pequenas gigantescas dificuldades da vida.

Foi o que fizemos em casa: nos mantivemos a uma distância saudável, sempre ao alcance, sempre mostrando que o amor não diminuíra em nada, mas sempre respeitando o tempo dela. 

E fomos vendo os efeitos dia a dia a partir justamente da linguagem universal que desenvolvemos em casa: as histórias. No caso de uma criaça de seis anos, os desenhos.

Cada desenho que ela fazia desvendava um pouco os seus momentos. Nos primeiros, havia pai, mãe e bebê em primeiro plano e ela lá no fundo, do tamanho de uma pequena flor; depois, ela fazia par comigo e deixava a mãe no outro canto, com a irmã; em seguida, bastava eu viajar a trabalho por um dia e pronto: ia eu para o cantinho da obscuridade enquanto às três ficavam juntas, imensas, no centro. Isa passou meses experimentando formações familiares, inventando enredos, criando cenas. Meses.

Até que, de repente, meio que da noite para o dia, me deparei com um desenho em proporções dignas de Da Vinci onde estávamos todos lá, completando um quadro completo como deveria ser.

Comecei a observar mais de perto: ainda havia – como ainda há – os momentos em que olhares silenciosos denunciam algum tipo mais secreto de ciúmes… mas a segurança é outra.  É como se o medo tivesse lentamente cedido espaço à noção de que as atenções realmente não poderiam mais girar exclusivamente em torno dela. Algo saudável, eu acrescentaria.

Mas o mais extraordinário de tudo isso, em minha opinião, foi o processo em si. Afinal, tudo o que fizemos foi observar de perto, tecer talvez micromudanças no cotidiano e deixá-la construir a sua própria história, subindo cenas e estruturando enredos por conta própria.

Crianças, concluí, são sempre as melhores autoras das suas histórias.

Historinhas para se divertir

Tá… no post da terça passada eu falei sobre toda essa questão de usar historinhas para criar uma conexão maior com a criança. Não desdigo nada, claro – para mim, esse caminho até as mentes e corações delas é um dos mais importantes que podem existir!

Mas há também o lado mais leve e óbvio da vida: ler para um filho ou filha é criar um momento íntimo de diversão impagável! 

E não é disso – risos e sorrisos, pequenas cumplicidades, olhares conectados pelas palavras de mundos inexistentes – que a intimidade com nossos filhos é feita? E há coisa mais importante nessa relação entre pais e filhos do que justamente essa intimidade, pre-requisito para qualquer outra conexão que possa existir?