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A calma
Quem tem mais de um filho ou filha saberá do que estou falando.
Basta que a barriga cresça ao ponto de parecer insustentável e pronto: a cabeça do mais velho começa a rodopiar, tensa, angustiada, nutrindo aquela curiosidade agonizante sobre o que acontecerá com ela depois que aquele novo e estranho ser romper a barriga da mãe.
Do nosso lado, não foram poucos os desafios. Houve questionamentos, pavores, tiques, camas molhadas. Houve agonia mútua.
Sim, mútua: que pais não se angustiam, afinal, ao perceber a angústia de uma filha?
Mas não havia muito o que fazer senão perseverar, atentos e calmos. Ser pai também é isso: saber manter a calma e o raciocínio frio até nos momentos mais complicados.
Nessas últimas semanas ficamos ali, equilibrando historinhas tranquilizadoras com tentativas de conversas francas e aprofundadas. Fizemos os nossos cortes, demos as nossas broncas quando elas se fizeram necessárias – mas, sobretudo, fomos medindo e tentando desarmar a angústia.
A irmãzinha nasceu. Os três dias de hospital foram uma espécie de clímax da tensão, um ambiente em que todas as dúvidas sobre o futuro que já se transformava em presente pareceram eclodir. Ficaríamos nós dois, pai e mãe, inteiramente dedicados à filha mais nova e ignorando ela, a mais velha, que passaria a viver com os avós na casa? Nunca mais sairíamos daquele hospital? Aquela seria a nossa nova casa, a nossa nova prioridade única de vida?
Para uma criança de 5 anos, sempre vale lembrar, ainda existem monstros sob a cama. Para uma criança de 5 anos, a cama sob a qual os monstros se escondem muitas vezes se chama ‘solidão’.
Mais papos retos. Mais historinhas.
Até que fomos para casa.
Muitas novas introduções: construir a ponte entre filha mais velha e mais nova é sempre fundamental. O que seria do conceito de família sem isso, afinal?
Nova rotina, visitas de curiosos, avós ainda em casa prestando aquela tão fundamental ajuda com as coisas do cotidiano.
Não sei bem em que momento mas, há alguns dias, as coisas pareceram começar a entrar no que podemos chamar de normalidade.
Tiques sumiram, risos choveram com mais frequência, sobrancelhas mudaram de ângulo. Aos poucos, como todas as mudanças importantes da vida. Mas decisivamente.
No domingo passado, os avós voltaram para Portugal, onde vivem. Foi triste, claro – não há despedida feliz. Houve choros, houve promessas de voltas breves, houve aquelas dores de separação que já eram familiares a todos. Vidas em família também são feitas delas.
Ontem de manhã fui a quarto da minha mais velha acordá-la para a escola. Na noite anterior contei a ela uma historinha sobre uma baleia perdida que encontrara o rumo de casa e voltara para a sua família, seguindo com a vida. O livro fora escolhido por ela -uma escolha perfeita.
O sono foi calmo, inteiro.
O despertar, idem.
Ela foi para a escola tranquila, falante, deixando beijos para a irmã mais nova e ignorando boa parte das manifestações físicas das angústias que por tanto tempo a perseguiam.
Passados ficaram no passado.
Sim, sei que novas angústias certamente virão – a vida, afinal, é um infinito ciclo de perigos e vitórias. Mas aquela vitória, pelo menos, parecia estar assegurada.
Quando a deixei dentro da van, seguindo sorridente, suspirei aliviado, cheio daquela certeza de que tudo dará certo.
Subi o elevador de volta.
Em casa, o chorinho faminto da minha nova recém nascida cortava o silêncio da manhã.
Não eram nem 7 horas e o dia já estava tão cheio de acontecimentos.
Hiperativado
Minha segunda filha nasceu na segunda da semana passada.
De lá para cá houve o natural: lidar com o natural ciúme da minha mais velha, hoje com 5 anos; mergulhar na rotina de troca de fraldas, choros e fomes; ajudar a implementar uma nova rotina de 24 horas na casa; garantir que todos fiquem bem; e, claro, trabalhar. Não há nada de excepcional aqui: todos os pais passam pelas mesmas coisas todos os dias.
Mas, ainda que esteja falando da normalidade, é inegavelmente uma normalidade que cansa.
É como escrever uma nova saga por dia com direito a curvas nos enredos, personagens fantásticos, protagonismos surpreendentes, lições finais e assim por diante.
Mas há outra coisa inegável: a sensação a cada pseudo-final de dia é incrível.
Há coisa melhor que filhos?
Mais inúmeras histórias a serem contadas
Até hoje, todos os meus posts foram relacionados a histórias contadas para a minha filha Isa, de 5 anos. E foram descobertas fenomenais, confesso: a cada nova fábula, a cada novo conto, mundos novos foram se multiplicando para nós dois: enquanto as sinapses se turbilhavam na sua cabecinha, eu também acabava descobrindo-a a cada novo brilho de olhar, a cada pergunta interessada, a cada “wow” escapulido dos seus pulmões.
Pois bem: na segunda, minha segunda filha, Alice, nasceu.
Nova jornada à vista!
Claro: Alice ainda terá que esperar alguns anos para começar a receber esse fluxo de narrativas loucas retinas adentro… mas já estou tonto de ansiedade para começar.
Multipliquemos, então, as histórias. E as descobertas. E esses momentos tão incríveis que temos com os nossos filhos.
Esta semana sou só felicidade 😉
Sendo co-autor de todos os autores do mundo
Desde que minha filha deitou os olhos sobre um livro de histórias do mundo do Monteiro Lobato, nada mais a demove de ouvi-lo até o final todas as noites.
Confesso que fiquei orgulhoso e envaidecido pela minha pequena leitora de 5 anos, ainda em fase de pre-alfabetização, ficar tão aficcionada por algo que certamente parece como um tijolo de letras para ela.
E sim: tenho lido Monteiro Lobato todas as noites, incansavelmente, às vezes utilizando a tecla SAP para pular partes mais complicadas e elaborar em torno de outras mais suaves.
Mas está ficando um desafio cada vez maior.
Como explicar, por exemplo, as penas de morte do Código de Drácon para quem sequer entende direito o conceito de morrer? Como explicar a escravidão, as perseguições a tantos povos, os assassinatos políticos e as lutas por direitos que uma criança de 5 anos entende não como conquista, mas como parte do mundo tal qual ele foi originalmente concebido?
Cheguei até a tentar mudar o livro. Ela aceita, principalmente no caso das histórias personalizadas daqui da Fábrica em que ela é personagem… mas isso dura apenas uma noite por mês. Nas demais, a regra é clara: Monteiro Lobato.
E o ritual é igualmente claro: passo o olho pela história da vez com a velocidade de uma cheetah e a reescrevo mentalmente, sublinhando algumas passagens, acrescentando outras, omitindo partes mais tensas.
Por hora, continua funcionando – milagrosamente. E ela continua com os olhos arregalados e os neurônios tecendo sinapses alucinadas enquanto ouve histórias de egípcios, persas, gregos, romanos.
Mas confesso, por fim, que nunca imaginei que contar histórias para dormir fosse se transformar em uma tarefa tão tensa para o pai – e nem que este precisaria treinar a própria criatividade para se transformar em co-autor de um dos maiores gênios da nossa literatura para fazer a magia acontecer!
Pensando bem, isso até era meio óbvio, não? Não seríamos nós, pais, afinal, os grandes co-autores de todos os livros que lemos para os nossos filhos?
O terceiro olho
Estava atravessando a sala para pegar um copo de água na cozinha quando me deparei com minha filha de 5 anos correndo para cima e para baixo com um adesivo de brilhante colado à testa.
Chamei ela em um canto:
– Você sabia que tem um povo, lá do outro lado do mundo, que acredita que nós temos um terceiro olho exatamente onde você colocou esse brilho?, perguntei.
– Não… mas eu não tenho outro olho aqui, não é, papai? É só um adesivo!
– Depende. Dizem que é um olho invisível a partir de onde se percebe as coisas, se imagina as coisas que a gente não vê de verdade. Eu, pessoalmente, acho que é o olho da nossa imaginação. Quando você vê duas bonecas e inventa uma brincadeira, você está dando vida a coisas que não existiam até então. Você está enxergando com sua imaginação o que ninguém mais vê. E não é para isso que serve um olho? Para enxergar?
Ela parou, pensativa. Olhou ao redor.
– Então ali tem um castelo!, concluiu, apontando para o aparador. E no meu quarto tem três casas com amigas brincando!
Uma sucessão de lugares mágicos se abriu imediatamente, todos sempre repletos de detalhes e descobertas impressionantemente nítidas.
Depois de um tempo ela parou, novamente, me olhou fixamente nos olhos e disse, com uma expressão que só adultos costumam carregar:
-Você é um bom pai.
E saiu correndo para o quarto para brincar no seu mundo.
Isso foi na segunda passada.
Pelos próximos dias ela colou o adesivo na testa e não parou de inventar novas brincadeiras com seu “terceiro olho”. Com o tempo, claro, o adesivo acabou desaparecendo embaixo de algum sofá e ela não se lembrou mais dele. Mas uma coisa acabou ficando muito clara: ali, naquela historinha de segundos que contei para a minha filha no meio da sala na noite de uma segunda-feira qualquer, algumas sinapses novas foram geradas e a sua imaginação foi exercitada como tem que ser.
Ali também acabei concluindo que, aos olhos de uma criança, ser um bom pai ou uma boa mãe é algo intimamente ligado a saber exercitar a ilimitada imaginação infantil, é saber dotá-la de insumos, de ferramentas, para que ela mesma possa viajar mais livremente pela sua própria realidade individual. Em outras palavras: é saber guiá-la com as histórias certas nos momentos certos.
É provável que a história do terceiro olho e todo o episódio acabe caindo no esquecimento. É provável até que já tenha caído, aliás. Mas as sinapses, os exercícios mentais, ficaram – e não é isso, afinal, que realmente importa quando se tem 5 anos de idade?
(Fora isso, confesso em um tom mais egoísta, fez um bem tremendo ao ego ouvir um elogio gratuito desse de uma filha na difícil (e sempre recheada de falhas) tarefa de ser pai!)
PS: Sim, eu sei que há muito mais sobre o terceiro olho do que eu contei. Mas convenhamos: estamos falando de uma criança de 5 anos, né?
Entre cucas e bois da cara preta: o estranho hábito de educar a partir do medo
Nunca fui muito fã de contar histórias assustadoras para crianças. Aliás, nunca entendi muito o motivo das principais cantigas de ninar brasileiras sempre terem como propósito amedrontar os pequenos (“boi, boi, boi, boi da cara preta, pega esse menino que tem medo de careta”; “nana, neném, que a cuca vai pegar, papai foi pra roça, mamãe foi passear”; etc.).
Mas, enfim, foram com essas cantigas que, provavelmente, todos nós aprendemos a dormir com medo de monstros e da solidão.
Talvez haja um lado educativo nisso tudo: um amigo uma vez me disse que o grande papel dessas músicas assustadoras era mesmo ensinar as crianças que não havia alternativa na vida senão “corajosamente fechar os olhos” e enfrentar os medos. Segundo ele, ouvir os próprios pais cantarem que monstros estavam por vir, sendo depois abandonados sozinhos nas sua camas por toda a escuridão da noite, forjaria uma espécie de coragem fundamental para que as crianças aprendessem a enfrentar o mundo no futuro.
Em minha humilde opinião, discordo: há de haver alguma maneira menos sádica de se ensinar coragem.
Tenho uma teoria quanto a isso – uma teoria que comprovo apenas com a minha própria experiência empírica como pai: racionalizar o mundo é mais saudável do que incentivar o terror. Em outras palavras: é melhor educar do que aterrorizar.
Explico-me:
Quando se canta para uma criança que ela estará só e que um monstro a pegará em instantes se ela não se comportar de uma determinada maneira, busca-se – claro – administrá-la pelo medo irracional. Não se está ensinando valores essenciais e nem estratégias subliminares de autodefesa: está se ensinando apenas que a melhor maneira de sobreviver ao dia é submetendo-se ao medo e rezando para que o sol chegue antes dos monstros. Está se ensinando impotência.
Não seria mais fácil contar as histórias do mundo para ela? Algo que tome carona em medos reais que ela estiver sentindo naquela faixa etária e que explique, de alguma maneira lúdica, que eles não tem razão real de ser? Algo que a acalme e que a force raciocinar sobre seus medos, elocubrando mecanismos de autoconvencimento de que eles realmente não existem?
Crianças, principalmente as mais novas, são como esponjas: elas tendem a sugar todo átomo de ensinamento que se lance em suas direções.
Se se semear medo como estratégia de “silenciamento”, certamente a criança entenderá que o mundo é mesmo um lugar aterrorizante e que o melhor que ela tem a fazer se quiser sobreviver é ficar escondida no seu canto sem ser percebida. Isso é coragem? Não me parece.
Se se semear racionalidade, por outro lado, seu pequeno cérebro começará toda uma sequência de sinapses que terão como resultado não temer, mas entender o mundo. Bem melhor, não?
E qual a melhor maneira de semear racionalidade? Fazendo o óbvio: mantendo aceso o hábito de contar histórias para crianças. Não há ferramenta melhor para entrar nas “exóticas” mentes infantis para construir pontes entre o que elas são e no que elas poderão se transformar.
As histórias como pontes entre os mundos dos pais e dos filhos
Talvez a coisa mais fantástica desse período de alfabetização de crianças seja o mar de descobertas que se abre para elas.
No cotidiano da minha filha, para usar um exemplo doméstico, ela está lidando com a sensação de crescimento fortalecida depois que o primeiro dentinho ficou mole, a noção de compartilhamento com a notícia da chegada de uma irmã mais nova, as competições por espaço e autoafirmação de personalidade perante as amigas e os tantos emaranhados de realidade e fantasia que começam a explodir na mente como uma espécie de bomba atômica de interrogações e exclamações. Tudo é surpreendentemente novo.
Claro: crescer é uma tarefa que nunca tem fim e a cada dia nós mesmos, do alto da nossa idade, nos deparamos com surpresas (boas e ruins) que transformam a vida em pura aventura. Mas nós, adultos, temos uma estrutura que, embora nem sempre bem resolvida, certamente é mais “bem definida”. Já sabemos separar jôio de trigo, já encaramos as maldades do mundo como fatos da vida (e não como magias de bruxos malignos) e já entendemos que as soluções para nossos problemas precisam ser construídas por nós mesmos. De certa forma, já entendemos a solidão.
Crianças, não. Ao contrário: elas precisam de guias para ensiná-las que, ao menos até que o mundo das bruxas e fadas fique para trás e que os tantos medos abstratos virem passado, haverá alguém presente para apontar algum tipo de caminho. O papel de um pai ou de uma mãe pode até ser simplificado aqui: somos provedores de segurança.
Segurança física, obviamente, protegendo os filhos dos males reais que o mundo cisma em ter, mas também segurança emocional. Nesse sentido, nosso papel passar por saber calcular os passos que devemos dar juntos e os que precisamos incentivá-los a seguir por conta própria; os medos que devemos confortar com abraços e os que devemos repelir; as fantasias que devemos incentivar e as que devemos, ainda que aos poucos, dizer que não passam de imaginação.
A questão é que não se trata apenas de falar, por mais jeito que se tenha, com os filhos. O importante é se conectar, é falar na língua deles – a mesma que mescla fantasias com realidades em fórmulas tão indivíduais que o mero entendimento acaba ficando difícil. Mas, se podemos considerar que há dois mundos distintos entre adultos e crianças, também podemos considerar que há uma porta que os conecta: histórias.
Humanos não são diferentes de animais porque sabem fazer contas ou jogar xadrez: somos diferentes porque sabemos consolidar todas as nossas abstrações emocionais em metáforas espremidas em histórias. E isso, acrescento, fazemos desde a mais tenra idade.
Isso também significa que, do alto do século XXI, temos um vasto cardápio para escolher. Há histórias sobre virtualmente tudo, servindo de guias para que pais e filhos se descubram nessa jornada conjunto rumo ao crescimento. E como elas ajudam? Entregando as mensagens reais que carregam dentro de fantasias que encantam os pequenos.
Histórias são o idioma das crianças.
Quer ajudar a sua a caminhar e a desvendar essa selva que é a vida real? Leia para ela.
Livro do mês: Descobrindo Profissões com a Sury
A segunda leva de livros personalizados da Fábrica está saindo agora das gráficas! E o título deste mês é “Descobrindo Profissões com a Sury“.
Profissões – algo por vezes difícil para se explicar para crianças que não entendem exatamente o que nós, pais, fazemos quando saímos de casa.
Pois bem: ensinar o significado de algumas das profissões, destacando aquelas que mais mexem com a imaginação infantil (como veterinários e bombeiros, para ficar apenas em dois exemplos), é sempre algo importante para o próprio processo de crescimento e entendimento de mundo.
Como parte da metodologia narrativa da Fábrica, os nomes dos seus pequenos aparecem como personagens principais, sendo guiados pela cadelinha Sury por esse mundo dos adultos que tanto atiça a imaginação!
Espero que gostem! E, se quiserem dar uma olhada mais a fundo nesse título, é só clicar na imagem abaixo ou neste link aqui: http://www.fabricadehistorinhas.com.br/ebooks_detalhe.aspx?id=f6c65cb3-b095-4e00-81fe-3b95caa1751a
Primeiras repercussões da Fábrica
Todo começo é sempre recheado de expectativas – e isso vale tanto para uma criança abrindo seus olhos pela primeira vez quanto, claro, para novas empresas.
Não seria diferente conosco, aqui na Fábrica. Foram meses de trabalho, de negociações e de empenho em cada mínimo detalhe – das embalagens à escolha da gramatura ideal de papel, das histórias ao site. E, finalmente, a Fábrica entrou no ar.
Já temos nossos primeiros assinantes, já enviamos os nossos primeiros livros e, agora, começamos a colher alguns feedbacks da comunidade – incluindo algumas redes 100% focadas em temas relacionados a maternidade e paternidade. O resultado?
Orgulho puro.
Principalmente pelo resultado ter batido com o que mais desejávamos, como podem ver pelas imagens abaixo.
Para a Lis que já decorou a história da Estrelinha Ana Luz, para o Dani que pirou ao enxergar a si mesmo e aos seus amigos como Piratas da Praia e para todas as outras crianças, estejam certos que ainda há muito, muito por vir!
Se tem uma coisa que não tem parado, afinal, é a nossa fábrica 🙂