Histórias nem sempre precisam de palavras

Uma bela manhã, minha filhinha mais nova, Alice, de seis meses, chorava incessantemente.

Não era fralda suja, não era fome, não era nada de trivial. Era apenas alguma agonia daquelas misteriosas, que apenas os bebês conhecem.

Até pouco tempo, só uma pessoa resolvia isso: Eric Clapton, que conectava-se com ela de uma maneira quase cósmica ao som do violão. Dessa vez, nem ele.

Fiz a única coisa que sabia: comecei a contar para ela uma historinha qualquer, fabricada ali, na hora, e carregada de tons e caras e caretas e sorrisos.

Sim: sei que ela certamente não entendeu uma única palavra do meu enredo louco… mas funcionou.

De repente, as lágrimas sumiram como apenas lágrimas de bebês somem e, instantaneamente, seus olhos gigantes passaram a esboçar um sorriso curioso, interessado, quase que antecipando cada volta que a trama dava.

E, depois, ela simplesmente suspirou e foi dormir.

Histórias para crianças, concluí, funcionam até mesmo quando elas não entendem o que dizemos. Até porque as narrativas estão mais impregnadas nos gestos do que nas palavras.

A leitura e o vínculo entre pais e filhos

Semana passada li um artigo sensacional do Itaú publicado no Globo (veja aqui). Sua tese: ler para uma criança fortalece o vínculo entre pais e filhos. 

Conclusão óbvia, se pararmos para pensar – mas obviedades nem sempre costumam ser enxergadas com a clareza que precisam ou merecem. Quando lemos para uma criança deixamos, ainda que por instantes, de ser um pai ou uma mãe: nos transformamos em um narrador, em um guia que as levará por um mundo novo, mais fantasioso, em que tudo pode acontecer. 

É claro que esse papel de guia é uma metáfora para o papel que desempenhamos em nosso cotidiano: educar é, afinal, ajudar os filhos a caminhar por conta própria pelo caminho que eles escolherem. Mas é justamente por ser uma metáfora que o hábito de ler para os filhos funciona tão maravilhosamente bem. Afinal, qual a melhor maneira de fortalecer a confiança com um pequeno do que efetivamente sendo a voz que desenhará para ele mundos totalmente novos? 

Recomendo a leitura desse artigo na íntegra (clicando aqui ou na imagem abaixo). E recomendo também, claro, que você chegue em casa hoje e leia uma história nova para ele. Eu, pelo menos, farei isso com a minha 🙂 

Lendo o Pequeno Príncipe

Para uma criança, o Pequeno Principe tem a densidade de um Tólstoi: há solidão, descobertas, perdas, destinos e mortes. Corrijo-me: nem Tólstoi consegue ser tão pesado quanto Saint-Exupéry.

E confesso que havia me esquecido da história do pequeno príncipe até lê-la para a minha filha mais velha, de seis anos. Foi apenas naqueles momentos, em que acompanhei as mudanças em seu semblante e os seus veementes protestos quanto à maldita cobra que o mata no final, que me dei conta da tragédia que estava se desenrolando naquelas páginas. 

Quando terminei, Isa estava triste e enraivada, deixando claro o quanto havia detestado aquela história tão carente de finais cor-de-rosa.

Mas sabe de uma coisa? Foi, até hoje, a história que mais a fez mergulhar em seus próprios pensamentos sobre… digamos… a vida. 

Como sei disso? Porque uma sucessão interminável de desenhos começou a ser feita por ela já no dia seguinte. Tudo, desde o encontro com o aviador até a rosa protegida pela redoma no pequeno planeta do príncipe, havia se transformado em pintura. E, entre cada desenho, algum silêncio importante saía de seu olhar enquanto ela percebia o resultado de sua imaginação. 

Ela havia decorado cada uma das partes, por incrível que pareça, e agora estava ali, tentando alinhá-las e materializá-las.

Estava interpretando a história, concluí. 

E concluí também que, enquanto há histórias que servem principalmente para se passar o tempo, há outras com o poder de nos catapultar para dentro de nós mesmos e nos fazer pensar a fundo sobre a vida, encarando de frente e resolvendo nossos maiores temores. 

E não são essas as melhores histórias de todas? As que fazem pensar, raciocinar, sinapsar? 

Para crianças, histórias são degraus importantíssimos no processo de amadurecimento. E, por mais que degraus sejam sempre degraus, apenas parte de uma escadaria infinitamente maior, há aqueles que realmente significam mais.

E como separar jôio de trigo? Essa é a parte fácil: basta aprender a ler os nossos próprios filhos para entender os impactos de cada enredo sobre suas formas de entender o mundo.

Ou melhor: basta aprender a lê-los para, em seguida, entregar a eles as ferramentas que tanto precisam para amadurecerem-se a si mesmos.

Historinhas para se divertir

Tá… no post da terça passada eu falei sobre toda essa questão de usar historinhas para criar uma conexão maior com a criança. Não desdigo nada, claro – para mim, esse caminho até as mentes e corações delas é um dos mais importantes que podem existir!

Mas há também o lado mais leve e óbvio da vida: ler para um filho ou filha é criar um momento íntimo de diversão impagável! 

E não é disso – risos e sorrisos, pequenas cumplicidades, olhares conectados pelas palavras de mundos inexistentes – que a intimidade com nossos filhos é feita? E há coisa mais importante nessa relação entre pais e filhos do que justamente essa intimidade, pre-requisito para qualquer outra conexão que possa existir?

As histórias de fora

Dia desses peguei um livro que uma amiga minha, enquanto estava viajando pelo Atacama, comprou de presente para a minha filha.

O livro era sobre uma indiazinha que cuidava de llamas e que, um dia, acabou sendo levada por uma tempestade para além das montanhas nevadas e precisava achar de volta a sua casa. A história em si era semelhante às tantas que existem por aqui: falava de medo de abandono, da importância do amor como forma de se enxergar no mundo etc. Nesse caso, no entanto, não era a história que importava tanto: eram os referenciais.

Certamente, a história de uma indiazinha no Atacama deve ser extremamente familiar para chilenos – mas, para uma criança brasileira, pouca coisa poderia ser mais exótica. Enquanto eu ia traduzindo os textos a partir do meu próprio portunhol atravancado, Isa viajava nas imagens das llamas, nas montanhas que se confundiam com nuvens, de tão altas, nos desertos de sal, na própria figura de uma índia andina tão diferente das “nossas”.

Não foi uma história de dormir: foi uma viagem pelo imaginário de um outro mundo feito especialmente para crianças.

Foi uma experiência fenomenal.

Acrescentei, com isso, um item fundamental para qualquer viagem: uma visita a livrarias locais onde possamos escolher novas histórias que abram novos mundos para crianças.

O que mais podemos fazer por elas, afinal, senão abrir esses mundos?

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Como ensinar o certo e o errado em um mundo tão errado quanto o nosso?

Missão difícil essa à que me propus ao fazer a pergunta título deste post. Tão difícil que, confesso, nem tentarei criar uma resposta definitiva.

NEsse sentido, tenho mais interrogações do que exclamações. Afinal, há moradores de rua ensinando o que é miséria pelas ruas da cidade, há pregações xenófobas na TV, há adultos destilando preconceitos que deveriam ser inconcebíveis, há cenas de guerra povoando a Internet, há muito, mas muito mais lágrimas do que sorrisos.

Não que eu ache que o mundo esteja cada vez pior: basta um mínimo de senso histórico para comparar os nossos tempos com os que queimavam infiéis em fogueiras públicas ou os que celebravam em praças as cabeças rolando em guilhotinas. Em verdade, acho que o mundo nunca esteve tão melhor e tão pacífico quanto em nossos dias… mas o “problema” é que as comunicações em si são tão abundantes e anárquicas que temos a sensação de estar vivendo no verdadeiro inferno.

E, se é justamente a comunicação que molda os nossos olhos e ouvidos, como ensinar aos nossos filhos que aquele vilão que está na posição de herói, guiando uma nação com a força do preconceito, está tão errado quanto coberto de apoios e aplausos?

Difícil isolar a educação que queremos dar a crianças que vivem tão inundadas de exemplos opostos aos valores que queremos que elas tenham.

A solução, como disse, não tenho. Acho que ninguém tem.

Mas talvez ela passe pela oportunidade única de se ler um livro para uma criança na hora de dormir. Por que? Porque esse é um dos únicos (senão “o” único) momento em que a sua atenção estará 100% voltada para a narrativa que estiver contando para ela. Sem TV. Sem brinquedos. Sem outros amigos bagunçando junto. Sem outros adultos tumultuando o áudio.

Apenas você e seu filho e uma história agindo como ponte para a sua formação ideal.

Funciona?

Espero que sim. Lá em casa, pelo menos, tudo indica que está funcionando 🙂

Germany, Berlin, Father reading book while son sleeping
Germany, Berlin, Father reading book while son sleeping

A importância de se permitir que crianças criem enquanto lêem

O título pode parecer óbvio mas, às vezes, acabamos nos esquecendo disso quando lidamos com nossos filhos. 

Quando ensinamos alguma coisa mais objetiva, temos a expectativa de que eles absorvam esse conhecimento de maneira quase inquestionável. 

Quando apontamos algum perigo, partimos do princípio de que eles o encarará com o pavor gélido dos velhos.

Quando mostramos alguma conduta, esperamos que ela seja desempenhada praticamente sem questionamentos. 

Quando lemos uma história, queremos crer que ela será ouvida em um silêncio tumular. 

Erro básico esse de achar que crianças são adultos. Não são.

Adultos, afinal, tem essa indiscutível capacidade de aprender calados, de ligar a intropecção e cruzar experiências de vida sem balbuciar uma única sílaba. 

Crianças, por outro lado, não tem esse acervo de conhecimento já sedimentado em forma de experiências e vivências. Tudo o que lhes é “ensinado” precisa ser questionado, às vezes em alto e bom som, para ser devidamente entendido. Diria mais: aprender, para crianças pequenas, é uma constante dialética hegeliana ao som de heavy metal. 

Crianças precisam criar estridentemente para projetar o que estão ouvindo e, por fim, entender, aprender. 

O que isso tem a ver com livros e histórias? A participação do adulto. 

Ou seja: se apenas abandonarmos as crianças com algum livro lúdico qualquer, daqueles que fazem figuras saltarem das páginas quando elas são viradas, ou com alguma app barulhenta no tablet, elas até podem se divertir – mas a capacidade de aprendizagem certamente será comprometida. 

Na fase pre-alfabetização, afinal, elas precisam do tom de voz de adultos lendo histórias; precisam das pausas dramáticas customizadas de acordo com as suas próprias características; precisam conseguir interromper com conjecturas, conclusões ou exclamações. Elas precisam interagir para conseguir construir sobre cada história e, por fim, aprender com ela.

Para crianças pequenas, aprender com histórias deve ser uma tarefa a dois, guiada por adultos até que estes se fizerem desnecessários no momento em que acervos próprios se consolidarem nas suas pequenas e impressionantes mentes. 

Não desperdicemos essa oportunidade: ler para crianças é muito mais essencial para o crescimento intelectual do que costumamos imaginar. 

Você já levou o seu filho a uma biblioteca?

Antigamente, bibliotecas eram lugares em que todos poderiam fazer empréstimos de livros (em muitos casos com cópias únicas) e devolvê-los depois de lidos. 

A própria evolução tecnológica impôs uma mudança dramática no cenário: livros são fáceis de se encontrar (seja em forma física ou digital) e bibliotecas já deixaram, há muito, de ser as guardiãs dos exemplares únicos de grandes histórias. Mas isso significa que elas não tem mais motivo de ser? 

De forma alguma. Bibliotecas, hoje, continuam sendo o que sempre foram: templos de disseminação da literatura. O estilo da “pregação”, por assim dizer, é que mudou. Em outras palavras: talvez não faça mais tanto sentido ir a uma biblioteca para tomar um livro emprestado como se fazia na década de 80. Mas faz, sim, muito sentido ir a uma biblioteca para mergulhar no universo da literatura com a mesma intensidade com a qual se vai, por exemplo, a um cinema ou a um museu. 

Quer exemplos práticos – principalmente focado nas crianças? 

A Biblioteca Infantil Multilíngue Belas Artes, na capital paulista, tem um espaço inteiro dedicado a crianças com o objetivo de estimular a leitura como brincadeira.

A Biblioteca Infantil Aglaé Fontes de Alencar, em Aracaju, tem uma sala específica para oficinas e leitura coletiva de histórias.

A Biblioteca Lucília Minssen, em Porto Alegre, tem uma programação mensal rica com oficinas de leitura e apresentações teatrais. 

Em outras palavras: se, antigamente, bibliotecas eram lugares onde as pessoas escolhiam as histórias para levar para casa, hoje elas são ambientes onde as histórias são consumidas e trabalhadas diretamente. 

Hoje, as bibliotecas se transformaram em museus de histórias vivas. Quer coisa mais perfeita para incentivar o hábito de leitura em crianças? 

Aceite, então, uma dica: procure uma biblioteca em sua cidade, atente-se à programação e aproveite as férias para garantir uma visita com os seus pequenos! 

(Uma dica extra: este post aqui lista uma série de opções extremamente interessantes por todo o Brasil.)

Eu e as férias da escola

Já faz tempo que eu desenvolvi o hábito de ler historinhas para a minha filha toda noite, antes dela dormir. É um dos momentos que mais gosto do dia, aliás, por poder testemunhar de maneira impressionantemente nítida o seu crescimento intelectual e o seu entusiasmado encantamento com cada pedacinho de enredo.

Até aí, tudo bem.

Aí vieram as férias, claro, para quebrar a rotina da minha filha. As mesmas férias trouxeram os avós dela para casa, pintaram tudo de família e, como não poderia ser diferente, encheram o ar de alegria. Convenhamos: depois desse 2016, um pouco de mudança de ares é mais que bem vindo, certo?

Indiscutível.

Só que meu posto de contador de histórias foi temporariamente suspenso: para matar as saudades da avó que mora longe, minha filha tem dormido no mesmo quarto que ela e pedido a ela para ser a “leitora oficial”.

Sei, sei… o importante é que o fluxo de literatura ouvido adentro continue a todo vapor. OK. Não discuto isso.

Mas sabem o que descobri? Que ler para nossos filhos é algo que fazemos tanto por eles quanto por nós mesmos.

Nesse mundo tão atribulado que vivemos, passear pela fantasia infantil diariamente é uma bênção inegável para qualquer adulto!

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